A situação económica do País<br>A urgência da produção nacional

João Frazão (Membro da Comissão Política
do Comité Central)

Nos anos 90 do sé­culo pas­sado, já com dé­cada e meia de des­truição das con­quistas de Abril, da Re­forma Agrária às na­ci­o­na­li­za­ções e aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores, os re­pre­sen­tantes po­lí­ticos do ca­pi­ta­lismo triun­fante pro­me­tiam ao povo por­tu­guês o reino do leite e do mel, sem que fosse pre­ciso me­termos a mão na massa.

O sector têxtil e do cal­çado eram dis­pen­sá­veis; a me­ta­lurgia pe­sada era um fardo que era ne­ces­sário afastar; cul­tivar couves e ba­tatas es­tava ul­tra­pas­sado; pescar era coisa ob­so­leta.

Esse bando de vende pá­trias – al­guns dos quais ainda andam por aí – le­varam então a cabo um me­ti­cu­loso e de­ci­dido plano de des­truição da pro­dução na­ci­onal e de en­trega dos nossos mer­cados ao ca­pital trans­na­ci­onal.

En­cer­raram mi­lhares de em­presas, pri­va­ti­zaram os sec­tores pro­du­tivos nas mãos do Es­tado, que a se­guir foram ema­gre­cidos e va­po­ri­zados, em­pur­raram cen­tenas de mi­lhares de tra­ba­lha­dores para o de­sem­prego.

A es­tra­tégia da po­lí­tica de di­reita e de sub­missão aos di­tames da União Eu­ro­peia de PSD, CDS e PS está hoje mar­cada a ferro quente na re­a­li­dade na­ci­onal.

O que fosse pre­ciso, com­prava-se no es­tran­geiro, e aí estão os ele­vados en­di­vi­da­mento e dé­fice ex­terno; o Es­tado tinha de ser afas­tado da eco­nomia, para deixar fun­ci­onar os sa­cros­santos mer­cados, o que levou à re­dução do in­ves­ti­mento pú­blico, que não foi subs­ti­tuído pelo pri­vado; não era ne­ces­sário pro­duzir, pois so­bre­vi­ve­ríamos do sol e dos ser­viços, o que pro­vocou dé­fices in­sus­ten­tá­veis no plano pro­du­tivo, tec­no­ló­gico, de ca­pital e de­mo­grá­fico; era in­dis­pen­sável li­be­ra­lizar, des­re­gular no plano eco­nó­mico, so­cial e la­boral, e aí temos a fra­gi­li­zação do te­cido eco­nó­mico, a des­ca­pi­ta­li­zação das em­presas e a des­truição e dre­nagem para o ex­te­rior de ca­pital; era es­sen­cial o in­ves­ti­mento es­tran­geiro e aí está a perda do con­trolo na­ci­onal de sec­tores, áreas e em­presas es­tra­té­gicas.

Nos úl­timos quatro anos, em con­sequência do brutal agra­va­mento da po­lí­tica de di­reita, con­subs­tan­ciado nos PEC e no pacto de agressão, o País andou ainda mais para trás com uma das mais pro­lon­gadas e mais pro­fundas re­ces­sões, com o Pro­duto In­terno Bruto a re­cuar 6,8pp em três anos, para va­lores de antes de 2001. Quanto menos se pro­duzia, quanto mais o in­ves­ti­mento caía (23% no pe­ríodo), quanto mais em­presas en­cer­ravam (mais de cem mil!), mais o País se en­di­vi­dava, che­gando o en­di­vi­da­mento ex­terno a 131 por cento do PIB.

En­tre­tanto, quando pre­ci­sá­vamos de po­lí­ticas de cres­ci­mento e de in­ves­ti­mento pú­blico, eis que os mesmos ven­di­lhões, co­locam o País sob o duplo gar­rote do dé­fice e da dí­vida pú­blica e con­fron­tado com a falta de ins­tru­mentos de po­lí­tica mo­ne­tária, cam­bial e or­ça­mental, em con­sequência da adesão à União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária e ao euro.

É assim que Por­tugal os­tenta o triste pal­marés de ser, nos úl­timos 15 anos, um dos oito países cuja eco­nomia menos cresceu no mundo.

Nem podia ser de outra forma, quando Por­tugal mantém os mais ele­vados custos dos fac­tores como o cré­dito, a energia, ou as co­mu­ni­ca­ções, em con­sequência também da en­trega a pri­vados, quase todos es­tran­geiros, destes sec­tores, ou quando os mer­cados estão ab­so­lu­ta­mente do­mi­nados pelo di­rec­tório das grandes po­tên­cias da União Eu­ro­peia, quando as pe­quenas e mé­dias em­presas estão su­jeitas à au­tên­tica di­ta­dura da grande dis­tri­buição que es­maga os preços e lhes im­põem con­di­ções le­o­ninas. Quando esses ser­vi­çais do ca­pital acei­taram que a Por­tugal, no quadro da cha­mada «Di­visão Eu­ro­peia do Tra­balho», não cou­besse a mo­der­ni­zação ou a ele­vação do valor acres­cen­tado da nossa pro­dução na­ci­onal.

Não podia, de facto ser de outra forma.

Quando a Po­lí­tica Agrí­cola Comum acentua os pro­blemas es­tru­tu­rais da agri­cul­tura por­tu­guesa, des­re­gu­lando mer­cados e pro­du­ções – das quotas lei­teiras aos di­reitos de plan­tação da vinha –, as­se­gu­rando aos países grandes pro­du­tores o acesso ao mer­cado na­ci­onal, em ar­ti­cu­lação com a grande dis­tri­buição, en­quanto mi­lhares de pro­du­tores ficam na ruína e são for­çados a aban­donar as suas ex­plo­ra­ções.

Quando a Po­lí­tica Comum de Pescas, não obs­tante Por­tugal dispor de imensos re­cursos, de­sig­na­da­mente a maior ZEE da UE, e ser de­fi­ci­tário em peixe em mais de mil mi­lhões de euros por ano, pe­na­lizou os pe­quenos pes­ca­dores, a braços com ele­vados custos ope­ra­ci­o­nais, de­sig­na­da­mente nos com­bus­tí­veis e com con­di­ções de co­mer­ci­a­li­zação al­ta­mente des­fa­vo­rá­veis, a par de uma po­lí­tica de gestão de re­cursos pre­ju­di­cial aos in­te­resses na­ci­o­nais.

Quando a in­dús­tria trans­for­ma­dora e ex­trac­tiva viu o seu peso baixar sig­ni­fi­ca­ti­va­mente no PIB, pas­sando de 30 por cento para cerca de 14 por cento, e o País perde im­por­tantes cen­tros de de­cisão es­tra­té­gica e de com­pe­tên­cias.

E nem a ilusão do su­cesso das ex­por­ta­ções na­ci­o­nais pode es­conder que a ba­lança co­mer­cial não se equi­li­brou, uma vez que con­ti­nuam a ser, mai­o­ri­ta­ri­a­mente, mer­ca­do­rias de baixa ou média tec­no­logia com grande de­pen­dência das im­por­ta­ções para a sua pro­dução.

Pôr Por­tugal a pro­duzir

Nos anos 90 do sSé­culo pas­sado, tal como antes e de­pois, en­quanto a bur­guesia do­mi­nante vendia a ca­pa­ci­dade pro­du­tiva nos cor­re­dores de Bru­xelas a troco de poder e mor­do­mias, havia quem dis­sesse não!

Havia quem se ques­ti­o­nasse:

  • onde se­riam pro­du­zidos as roupas para o povo por­tu­guês?

  • onde se­riam pro­du­zidas as car­ru­a­gens dos com­boios do País?

  • quem ha­veria de cons­truir os na­vios de mer­ca­do­rias de pesca ou para ex­plorar as inú­meras ri­quezas do nosso mar?

  • quem se­me­aria o trigo e o milho para o pão que teria de nos con­ti­nuar a ali­mentar?

Ontem como hoje, houve quem – desde logo os tra­ba­lha­dores e o seu Par­tido – afir­masse que aqui, neste chão, com os tra­ba­lha­dores e o povo por­tu­guês, com outra po­lí­tica, é não apenas ne­ces­sário mas pos­sível as­se­gurar a de­fesa e pro­moção da pro­dução na­ci­onal e dos sec­tores pro­du­tivos, de­fen­dendo a in­dús­tria ex­trac­tiva e trans­for­ma­dora, a agri­cul­tura e as pescas, co­lo­cando os re­cursos na­ci­o­nais ao ser­viço do povo, do País e re­du­zindo os dé­fices es­tru­tu­rais.

Ontem como hoje, afir­mamos que é ne­ces­sário pôr Por­tugal a pro­duzir, di­ver­si­fi­cando a lo­ca­li­zação das ac­ti­vi­dades pro­du­tivas no ter­ri­tório, cri­ando assim os em­pregos e os sa­lá­rios que di­na­mizem o mer­cado in­terno e fixem as pes­soas às suas terras.

Ontem como hoje de­fen­demos uma eco­nomia mista em que co­e­xistam o sector pú­blico com uma forte pre­sença nas em­presas e sec­tores es­tra­té­gicos, o pri­vado e um di­nâ­mico sector co­o­pe­ra­tivo e so­cial, com o pla­ne­a­mento de­mo­crá­tico do de­sen­vol­vi­mento, e o de­ci­sivo in­ves­ti­mento pú­blico e um im­por­tante papel às pe­quenas e mé­dias em­presas.

Ontem como hoje su­bli­nhamos que o cres­ci­mento eco­nó­mico, com mais pro­dução e mais em­prego, as­se­gu­rará mais re­ceitas fis­cais, menor des­pesa e mais re­ceitas na Se­gu­rança So­cial, e pos­si­bi­li­tará a me­lhoria da ba­lança co­mer­cial, com mais ex­por­ta­ções e com a subs­ti­tuição de im­por­ta­ções por pro­dução na­ci­onal, menor dé­fice or­ça­mental e menos dí­vida.

Ontem como hoje afir­mamos que um país que não produz, que é de­pen­dente das de­ci­sões de ter­ceiros para as­se­gurar a pro­dução dos bens e ser­viços es­sen­ciais à vida co­lec­tiva, não pode afirmar-se um país livre e so­be­rano.

Ontem como hoje lem­bramos que o País tem re­cursos, tem ca­pa­ci­dades, tem ho­mens e mu­lheres que, com outra po­lí­tica, pa­trió­tica e de es­querda, serão ca­pazes de de­satar o nó górdio da pro­dução e o co­locar no ca­minho do de­sen­vol­vi­mento.

A ba­talha da pro­dução também é a nossa ba­talha!




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